A imagem mais remota que tenho de uma novela é de cenas de Tarcísio Meira, de cabelos encaracolados, e Míriam Pires, como uma mulher enlouquecida que vivia num quarto cheio de manequins com roupas espalhafatosas. Era 1974 e a novela em questão, O Semideus, de Janete Clair. Mas eu era muito criança e não lembro de absolutamente mais nada dessa trama. A novela seguinte foi Fogo Sobre Terra, também de Janete, e lembro vagamente de Regina Duarte, Dina Sfat e Jardel Filho. E me recordo como se fosse ontem da cena do último capítulo em que Neuza Amaral era tragada pelas águas porque se negava a deixar uma casa que ia ser inundada.
Lembro da reprise de Selva de Pedra, em 1975, em especial à ótima sequência do acidente com o fusca de Simone (Regina Duarte), numa cena de perseguição. Fiquei impressionado! De Pecado Capital, lembro apenas de Betty Faria no primeiro capítulo. Eu era criança na segunda metade dos anos 70 e meus pais seguiam à risca a indicação da Censura com o selo que anunciava: "esse programa é proibido para menores de 12 anos", ou coisa assim. Só nos anos 80 é que fui acompanhar de fato às novelas das oito.
Da época em que passou O Astro, não me recordo da novela, apenas de sua abertura. O mesmo para Pai Herói. No Dia dos Pais de 1979, eu e meus colegas de quarta série fomos obrigados a decorar a letra da música de abertura, de Fábio Jr., para uma apresentação. A primeira novela de Janete Clair que de fato acompanhei com alguma assiduidade foi Sétimo Sentido, em 1982. Gostava da bela abertura, bem como da vinheta de "estamos apresentando" ao som de "Chariots of Fire".
Janete faleceu em 16 de novembro de 1983, enquanto ia ao ar sua novela Eu Prometo, da qual eu não era assíduo, portanto lembro pouco. Mas me recordo bem da comoção generalizada que formou-se em torno de sua morte. Vim a saber mais tarde de detalhes, como sobre o câncer com que ela lutava havia três anos. Eu Prometo foi lançada como a "a nova novela das 10", que traria de volta o horário consagrado nos anos 70. Na verdade, não foi bem assim. A Globo sabendo do frágil estado de saúde da autora, não queria confiar-lhe uma novela no horário de maior faturamento, o das oito da noite. Então preferiu arriscar em um horário em que o prejuízo fosse menor.
Janete deve ter ficado chateada. Era uma mulher que amava escrever novelas, que se envolvia de verdade com os personagens e tramas que criava. Mas nunca foi poupada pelos críticos, que a acusavam frequentemente de "fantasiosa" demais. Problemas com a Censura tornaram suas novelas O Semideus, Fogo Sobre Terra e Duas Vidas obras mutiladas e prejudicadas. A Globo, às vésperas de completar 10 anos de existência (em 1975), resolveu "rebaixar" Janete do horário das oito - que ela mesma havia ajudado a consagrar na Globo - para as sete horas, tido como "um horário menor". Janete não gostou. Foi escrever a novela Bravo às sete, mas com a proibição de Roque Santeiro, às oito, a autora foi chamada às pressas para escrever uma trama substituta. Foi quando Janete inovou seu estilo, colocando mais realismo às suas histórias, e acabou por realizar seu melhor trabalho, Pecado Capital, desta vez aclamado pela crítica e pelo povo.
Na década de 80, o estilo de Janete foi novamente posto em xeque. Coração Alado foi uma novela malhada pela crítica, que acusou a trama de claustrofóbica, onde Janete pesou a mão no dramalhão. Sétimo Sentido e Eu Prometo foram pelo mesmo caminho. O fato é que, apesar de todas as intempéries, das críticas e problemas com a censura do Regime Militar, Janete Clair sempre foi campeã de audiência. Novelas como Irmãos Coragem, Selva de Pedra, Pecado Capital, O Astro e Pai Herói são consideradas clássicos de nossa teledramaturgia, e que valeram à autora a alcunha de Maga das Oito, ou, melhor, Usineira de Sonhos.
Para saber mais sobre a vida desta grande novelista, sugiro o livro "Janete Clair, a Usineira de Sonhos" que o jornalista Artur Xexéo lançou em 1996 pela editora Relume Dumará.
Também a página da autora no site Teledramaturgia.