domingo, 30 de outubro de 2011

O voo do Astro


A tentativa da Globo de experimentar um novo horário de novelas - em torno das 23 horas, então ocupado por minisséries e seriados - ao que parece, foi além das expectativas da emissora, já que sua meta de audiência foi superada. Isso vem comprovar que existe público para o formato nesta faixa. 

Nos anos 70, a novela das 8 estava para o que hoje é a novela das 9. E e a novela das 10 naquela época era o que é a novela das 11 para a atualidade. O antigo horário das 10 era ocupado pelo que convencionou-se chamar de "experimentos em teledramaturgia". Ou seja, o horário permitia à emissora correr o risco da ousadia em temas e formatos. E também era o horário menos visado pela censura do Regime Militar. Foi às 10 da noite que grandes dramaturgos se destacaram na televisão: Dias Gomes (Bandeira Dois, O Bem Amado, O Espigão, Saramandaia), Bráulio Pedroso (O Cafona, O Bofe, O Rebu), Jorge Andrade (Os Ossos do Barão, O Grito), Wálter George Durst (Gabriela, Nina).

O Astro provou que pode-se aproveitar a faixa para o mesmo fim. Não faltou violência, cenas de sexo e situações politicamente incorretas, com cenas de personagens fumando, bebendo e jogando. E o público comemorou já que, na realidade, sentia falta desta liberdade na nossa teledramaturgia. De uns vinte anos para cá, a TV brasileira sofreu um processo de "encaretamento", com uma onda politicamente correta que, bem ou mal, vem limitando os autores de novelas em seus processos de criação. Em um horário com uma classificação indicativa mais permissiva, pode-se voltar a abordar temas e situações há muito tempo banidos de nossas novelas.

Mas, acima de tudo, O Astro mostrou um bom e velho folhetim. O remake de um antigo sucesso de Janete Clair foi a escolha ideal para se celebrar os 60 anos da telenovela no Brasil - data comemorada em dezembro (a primeira novela, Sua Vida Me Pertence, estreou em dezembro de 1951, na TV Tupi de São Paulo). O estilo "kitsch", exagerado, melodramático, em texto, interpretações e caracterizações, mostrou ter sido uma opção acertada. 

O tom popularesco da trama (que muitas vezes beirou o estilo mexicano de teledramaturgia), com referências à cultura pop e erudita, foi a tônica do texto afiado dos roteiristas de O Astro - Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, e seus colaboradores Tarcísio Lara Puiati e Vitor de Oliveira. A direção geral de Mauro Mendonça Filho soube muito bem incorporar o texto à proposta da novela. 

E uma ótima direção se faz com um ótimo elenco em um texto de primeira. Pudemos acompanhar grandes momentos de Marco Ricca (Samir), Humberto Martins (Neco) Rosamaria Murtinho (Magda), Fernanda Rodrigues (Jôse), Antônio Calloni (Natal), e tantos outros. E em especial Regina Duarte - com sua Clô Hayalla -, que há muito tempo não tinha em novelas uma interpretação tão marcante. Vale destacar também a atuação de Frank Menezes e Pablo Sanábio (como a dupla de cabeleireiros Clayton e Pablo), responsáveis pelos momentos mais hilários da novela.

Mas claro, nem tudo foram flores em O Astro. Adaptar uma obra de 186 capítulos para menos da metade não é uma tarefa fácil. Para além da realização dos ajustes necessários (como suprimir ou condensar tramas e personagens), a opção pela agilidade mostrou-se acertada de um lado - prende o telespectador - mas também, por vezes, comprometeu o entendimento da trama - chegou a confundir o público.

A notícia de que a Globo vai fazer uma nova adaptação de Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado,  em 2012, é a comprovação de que a emissora acertou em sua experiência e pretende levar adiante o horário das 11. O voo de Herculano Quintanilha (ao fim do penúltimo capítulo de O Astro) serve aqui como uma metáfora para as novas investidas da emissora neste formato de novelas, mais curtas, em um horário que permite ousadias e textos mais sofisticados e elaborados. O público aprovou. É realmente para se comemorar. 


terça-feira, 25 de outubro de 2011

Pingos de Novela

Um giro rápido pelo que anda rolando nas novelas atuais


O ASTRO: "Fortes emoções" reservadas para a derradeira semana da "novela das 11". Pela homenagem ao formato telenovela, O Astro merece chamadas como as dos anos 70, tipo "As emoções aumentam a cada capítulo de ... O ASTRO!" (parafraseando uma chamada da Mulheres de Areia clássica).



A VIDA DA GENTE: A novela das 6 segue com forte carga dramática. "Tirem as crianças da sala" ou "não recomendada para cardíacos" deveria ser a classificação indicativa... Brincadeirinha! A novela tá linda, apesar de eu continuar achando uma novela "feminina" demais, com mulheres fortes e homens objeto. Mas é só uma observação que em nada diminui A Vida da Gente. Como muitos já citaram, parece uma novela das 9.




FINA ESTAMPA: Em contrapartida, a atual novela das 9 parece uma novela das 7. Ontem Tereza Cristina, a Louca, matou o mafioso empurrando-o pela escada, agradeceu Nazaré Tedesco e ainda afirmou ter se inspirado na personagem (Renata Sorrah em Senhora do Destino). Não foi a primeira vez que Aguinaldo Silva se auto citou. Adoro metalinguagem em novelas. Silvio de Abreu já fazia isso lá no início dos anos 80, com a diferença de que ele citava os outros autores, em especial Janete Clair, Cassiano Gabus Mendes e Gilberto Braga.

Já o diálogo entre Tereza Cristina e o segurança Ferdinand (Carlos Machado) foi digno de um pastelão de Walcyr Carrasco. Mais uma prova de que Fina Estampa parece uma novela das 7 horas. Logo Aguinaldo, que sempre afirmou que não se vê escrevendo novela para outros horários.



AQUELE BEIJO: Segue despretensiosa e gostosa de acompanhar. Diferente de sua antecessora, é uma novela com humor inteligente, em que o telespectador não se sente subestimado. Aliás, é complicado acompanhar Aquele Beijo e comentar tuitando, perde-se muita coisa. É uma novela para se prestar atenção nos diálogos.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Saudades de Dias Gomes


Se vivo fosse, Dias Gomes completaria hoje (19 de outubro) 89 anos. O conheci através de suas novelas de televisão. Mas estudando sua vida, vim a saber que Dias foi muito mais do que isso. Publicou romances, escreveu inúmeras peças - como O Pagador de Promessas e O Santo Inquérito -, escreveu para jornais e revistas, trabalhou em várias rádios, tendo escrito e idealizado vários programas.

Foi militante do Partido Comunista e, por conta disto, perseguido pelos regimes ditatoriais, desde Getúlio Vargas até o Regime Militar. Foi por conta de suas posições políticas - e por intermédio de sua então esposa, Janete Clair - que Dias chegou à televisão. Impossibilitado de trabalhar, passou a usar o novo veículo para expor suas ideias, ainda que vigiadas.

O primeiro trabalho de Dias que acompanhei de perto foi Roque Santeiro - escrita com Aguinaldo Silva, Marcílio Moraes e Joaquim Assis - entre 1985 e 1986. Uma de minhas novelas preferidas, lembro bem da comoção popular causada naquela época. Engraçado ver que, apesar de censurada dez anos antes, a impressão que se tem é que Roque foi a novela certa no momento certo. Talvez por isso, não tenha tido a mesma repercussão em suas reprises, posteriormente.

Acompanhei os demais trabalhos assinados por Dias na televisão. Alguns muito bons, como produto final - como as minisséries As Noivas de Copacabana (1992) e Dona Flor e Seus Dois Maridos (1998, a partir do romance de Jorge Amado). Outros nem tanto, como a novela Mandala (1987/1988).

O objetivo do post não é informar sobre a vida do novelista, cuja obra está fartamente catalogada na internet. Mas rememorar, a partir de minhas lembranças, a genialidade de uma das grandes personalidades brasileiras do século passado. Foi a obra de Dias Gomes que o tornou imortal - para além de ter sido imortal da Academia Brasileira de Letras. 

Apenas uma lástima: não ter podido acompanhar aquela que considero a melhor telenovela brasileira: O Bem Amado (1973), que só a genialidade de Dias Gomes poderia ter concebido. Engraçada é a sensação de sentir saudades de uma novela que nunca acompanhei - porque era muito criança na época em que passou.


Saiba mais sobre a trajetória e a obra de Dias Gomes no site Teledramaturgia.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Estreia com Aquele Beijo


Aquele Beijo, a nova novela das sete, estreou com a incumbência de manter o bom desempenho no Ibope da novela antecessora, Morde e Assopra. Ainda é cedo para saber se conseguirá. A história central pareceu despretensiosa, e o primeiro capítulo deixou claro que não será apenas a trama de Claudia, Rubinho, Vicente e Lucena que dominará a novela.

Praticamente todos os núcleos com seus personagens foram apresentados. Poucos ficaram de fora. Talvez tenha sido muita informação para um primeiro capítulo. Mas pelo menos serviu para dar a tônica da novela. Sim, é uma típica trama de Miguel Falabella, com humor inteligente e debochado, visual colorido e personagens carismáticos. São características que deram a Falabella a alcunha de "Almodovar de nossas novelas". 

O autor não abre mão da trupe que o acompanha já há alguns trabalhos. Em Aquele Beijo tem Stella Miranda, Diogo Vilela, Zezeh Barbosa, Jacqueline Laurence, Cláudia Jimenez, Bia Nunnes, Luís Salém, Maria Gladys e outros já vistos mais de uma vez na obra do autor.

Pelo visto, o "politicamente incorreto", tão vigiado nesses nossos tempos, está presente. A personagem de Fernanda Souza é uma mãe e esposa inconformada com a vidinha mais ou menos que leva ao lado do marido idealista. No primeiro capítulo, ela segurava o filho bebê no colo quando pediu um cigarro ao vizinho. Tomara que  apronte muito!

Este primeiro capítulo teve barraco em concurso de miss. Teve ricos querendo expulsar pobres de uma favela, por conta da desapropriação de um terreno. Teve uma loja de luxo (Comprare), tal qual a Luxus de Cobras e Lagartos (2006), de João Emanuel Carneiro. Teve homem vestido de mulher - Ana Girafa, vivida por Luís Salém, o que lembou Dona Roma, de Miguel Magno em outra novela de Falabella: A Lua Me Disse (2005). E teve Victor Pecoraro, da publicidade para protagonista de novela, creditado na abertura como estreante, mas que já havia atuado em novelas anteriormente. Um problema: Pecoraro precisa melhorar a dicção. Quanto à interpretação, é cedo para avaliar.

A homenagem às novelas está presente - em dezembro a telenovela brasileira completa 60 anos. A abertura mostra uma compilação de famosos beijos de nossa teledramaturgia - ainda que desfocados, o que só atrapalhou a boa ideia. As novelas mexicanas também são referenciadas. A personagem de Jacqueline Laurance usa um tapa olho combinando com a roupa - uma alusão à vilã da novela xicana Ambição (Cuna de Lobos) que o SBT apresentou em 1991. E Cláudia Jimenez vive uma vidente de araque que afirma receber um espírito mexicano depois que um acidente vitimou sua mãe enquanto esta assistia a uma novela mexicana. As cenas de Jimenez com Bruno Garcia (seu primo na trama) foram hilárias.

O formato telenovela também é homenageado em outras tramas de Aquele Beijo. Além da luta de classes, com os ricos oprimindo os pobres, há a mulher que se apresenta com outra identidade para obter privilégios (Damiana, de Bia Nunnes) - um clássico do folhetim! E a mulher rica e prepotente (Marília Pêra) que impede o namoro do filho com a filha da empregada da casa (Nívea Maria), que está lá porque sabe de um segredo seu - trama já contada em novelas como Louco Amor (1983), de Gilberto Braga, e Rainha da Sucata (1990), de Silvio de Abreu.

A narração de Falabella não é nenhuma novidade: um rap narrava os acontecimentos ao final de cada capítulo de As Filhas da Mãe (2001), de Silvio de Abreu. Mas com certeza é um charme a mais em Aquele Beijo, já que Falabella, o autor-narrador, empresta sua voz usando frases de efeito bonitas e dentro do contexto da história. E algumas dessas frases já chamaram a atenção no primeiro capítulo, seja na voz de Falabella ou na voz de seus personagens:

"Um grande amor é quase sempre uma troca de perdões. Quem não sabe perdoar, ainda não está pronto para o amor."

"Se você quer saber o que Deus pensa do dinheiro, é só ver a quem ele dá!"

"Do jeito que as coisas estão, eu prefiro enxergar o mundo com um olho só!" (Mirta, a personagem do tapa olho)

Marisol (Mary Sheila) sobre Locanda (Stella Miranda): "Isso não é gente batizada!"
No que Eveva (Maria Gladys) responde: "Batizada ela foi. Mas com enxofre!"

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Os Beijos de Aquele Beijo

A abertura da nova novela de Miguel Falabella apresentou uma compilação com alguns famosos beijos de nossa teledramaturgia.

Achei que ficou bonita, despretensiosa, no clima da novela. Apesar das imagens desfocadas - não precisava.

O tema de abertura é uma versão de Garota de Ipanema cantada por Daniel Jobim (neto de Tom Jobim) com "uma voz lounge da Xuxa" [by @joaolimajr].

Assista a abertura:

Lembrando que essa ideia não é nova. A abertura da novela Fina Feliz, de 1983, apresentava famosos beijos do cinema, ao som da música Flagra de Rita Lee. Assista:

Veja na relação abaixo os beijos de Aquele Beijo:

1. José Mayer e Helena Ranaldi em Laços de Família (2000/2001)

2. Lima Duarte e Maitê Proença em O Salvador da Pátria (1989)

3. Walmor Chagas e Aracy Balabanaian em Locomotivas (1977)

4. José Wilker e Susana Vieira em Anjo Mau (1976)

5. Murilo Benício e Giovanna Antonelli em O Clone (2001/2002)

6. Eduardo Moscovis e Carolina Ferraz em Por Amor (1997/1998)

7. Taumaturgo Ferreira e Malu Mader em Top Model (1989/1990)

8. Francisco Cuoco e Dina Sfat em O Astro (1977/1978)

9. Cláudio Marzo e Regina Duarte em Irmãos Coragem (1970/1971)

Curioso que foi anunciado um beijo entre Tarcísio Meira e Glória Menezes em Irmãos Coragem, mas não apareceu. Podia rolar um revezamento esporádico com mais beijos de nossas novelas - como em Mulheres Apaixonadas, cujas fotos da abertura mudavam constantemente.

Quais beijos de personagens de novelas você gostaria de ver na abertura de Aquele Beijo?
Opine!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Audiência mordeu, Carrasco assoprou


Morde e Assopra foi uma novela que teve de tudo. Começou de um jeito e a audiência torceu o nariz. O autor, Walcyr Carrasco, atenuou algumas coisas, destacou outras, trocou elenco, e ajustou a novela ao gosto do telespectador. Até que a audiência reagiu positivamente. 

Teve novidade: os dinossauros e robôs, cuja participação foi sendo diminuída na trama por conta da rejeição do público. Teve humor infantil com todos os cacoetes típicos do autor: inúmeros casamentos desfeitos no altar, caipiras pra lá de caricatos, bicho de estimação (e robozinho de estimação), torta na cara, gente sendo arremessada. Teve amor a la A Megera Domada (Júlia e Abner). Teve vilã histérica (Naomi). Teve "quem matou" (o delegado Pimental).

E teve Cássia Kis Magro (a Cássia Kiss) em uma das melhores interpretações de sua carreira. Foi a partir do momento em que Carrasco elevou a simplória Dulce à categoria de protagonista, que Morde e Assopra deslanchou no ibope e cativou seu público. E para isto, o autor apelou para o melodrama fácil, rasgado, recheado de clichês, transformando Dulce numa caricatura. Apesar do tom extremamente maniqueísta da personagem e do texto piegas do autor, Cássia levou sua Dulce com dignidade até o fim, numa interpretação marcante. 

Em contrapartida, outra caricatura se destacou, mas positivamente: a do gay estereotipado. André Gonçalves "ar-ra-sou" com seu Áureo, proporcionando alguns dos melhores momentos da novela, afinadíssimo com sua companheira de cena Vanessa Giácomo, outro grande destaque de Morde e Assopra. O penúltimo capítulo - em que os dois sobem ao altar, ele abandona ela e foge com o peão - foi um dos melhores da novela.


A caricatura funciona na comédia, quando bem escrita, bem dirigida e bem interpretada - como vimos com Áureo. Mas a caricatura no drama em televisão, quando trabalhado isoladamente - como no caso de Dulce -, é perigoso. Caricatura é exagero, e o exagero no realismo sempre acaba pendendo para o piegas. A não ser que a proposta seja essa mesma, mas como um todo: como o visto atualmente em O Astro, uma novela absolutamente diferente de Morde e Assopra.

A verdade é que Carrasco tirou a sorte grande ao conseguir Cássia Kis Magro para sua novela. Poucas atrizes conseguiriam tal desempenho diante deste texto de Carrasco. Sorte também de ter no elenco nomes como André Gonçalves, Vanessa Giácomo, Jandira Martini e Vera Mancini (revelada como a ótima Cleonice).

O último capítulo de Morde e Assopra merece um aparte. Vimos o desfecho de Celeste (Vanessa Giácomo), que desiste de casar e vai embora da cidade para posar nua para uma revista e ser famosa, deixando o filho bebê nas mãos de Dona Salomé (Jandira Martini). O destino de Áureo e Elaine (Otaviano Costa), que terminam em São Paulo num show de drag-queens - ao lado do próprio Walcyr Carrasco! Minerva (Elizabeth Savalla) derrotando Isaías (Ary Fontoura) nas eleições para a prefeitura de Preciosa. A morte de Dulce, envolta a muita choradeira, claro. 

E para finalizar, uma das sequências mais dantescas da história de nossa teledramaturgia. Júlia (Adriana Esteves), Abner (Marcos Pasquim) e outros personagens caem no que, na visão do autor, seria o centro da Terra, um mundo perdido povoado por dinossauros, onde vivem os pais de Júlia, também pesquisadores - inclusive com computador (!). Uma espécie de elo perdido mesmo. E dos mais fakes. As cenas com os dinossauros serviram para nos lembrar que a Record fez melhor com Os Mutantes. Tiago Santiago deve ter ficado orgulhoso.

domingo, 9 de outubro de 2011

Especial Semana da Criança: novelas que marcaram a infância da gente


Programação infanto-juvenil, em forma de novelas ou seriados, existe desde o início da televisão. Naqueles primeiros anos, destacavam-se as adaptações de clássicos da literatura infantil. Só o Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, teve três versões para a TV entre as décadas de 50 e 60 (pela Tupi, Cultura e Bandeirantes). A primeira novela infantil a ter uma grande repercussão foi A Pequena Órfã, apresentada pela TV Excelsior entre 1968 e 1969, estrelada por Dionísio Azevedo e a menina Patrícia Aires (filha do ator Percy Aires).

A história da garotinha desprezada pela tia no orfanato, mas que encontra amor e carinho num velho bondoso, já serviu de inspiração para outras duas novelas posteriores: Sonho Meu (Globo, 1993), com Elias Gleizer e Carolina Pavanelli, e Prova de Amor (Record, 2005), com Rogério Fróes e Júlia Magessi. O sucesso d´A Pequena Órfã foi tanto que, na época, as outras emissoras passaram a apostar no filão "criança carente e/ou desprezada": Sozinho no Mundo (Tupi, 1968), Ricardinho, Sou Criança, Quero Viver (Bandeirantes, 1968), O Doce Mundo de Guida (Tupi, 1969), Tilim (Record, 1970), Pingo de Gente (Record, 1971).

Em 1969 chegava aos cinemas a versão do best-seller O Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcellos. No ano seguinte, Ivani Ribeiro adaptou a mesma história para a Tupi, no formato telenovela, com Cláudio Corrêa e Castro e o menino Haroldo Botta no elenco. Haroldo Botta tornou-se um ator-mirim de sucesso nas novelas da Tupi da época, sempre requisitado. O Meu Pé de Laranja Lima teve um remake pela Bandeirantes em 1980 (com Dionísio Azevedo e o garoto Alexandre Raymundo) e uma nova adaptação, feita por Ana Maria Moretzsohn em 1999, também pela Band (com Gianfrancesco Guarnieri e Caio Romei).


Ivani Ribeiro escreveu outras novelas com apelo infantil. Camomila e Bem-Me-Quer (Tupi, 1972) contava a história do menino carente e adorável que conquista o coração de um velho rabugento e avarento (Haroldo Botta e Gianfrancesco Guarnieri na novela). Ivani recontou a mesma história na Globo, em 1984: Amor com Amor se Paga, com Oberdan Jr. e Ary Fontoura. A Barba Azul (Tupi, 1974) apresentava um grupo de crianças às voltas com o Clube dos Curumins. Esta novela gerou um remake na Globo, em 1985, A Gata Comeu, hoje cultuada pelos telespectadores que eram crianças na época.

A Barba Azul revelou outro ator-mirim que se destacou na Tupi nos anos 70: o ruivinho sardento Douglas Mazzola, que já havia atuado em O Meu Pé de Laranja Lima, e foi visto ainda, entre outras, em O Velho o Menino e o Burro e Éramos Seis. Em 1975, O Velho, o Menino e o Burro abriu uma nova faixa de novelas na Tupi, às 18 horas, dedicada à criançada. Seguiu com Papai Coração, uma adaptação de texto mexicano, estrelada pela então menina Narjara Turetta. Papai Coração contava a história de uma garotinha que conversava com o espírito da mãe falecida. Essa trama voltaria à TV brasileira em versões latinas apresentadas pelo SBT: Chispita e Luz Clarita.

Em 1977, Walter Negrão e Chico de Assis assinaram uma versão moderna para um clássico infantil: Cinderela 77 trazia os cantores Ronnie Von e Vanusa como o casal romântico desta novela que subvertia o folhetim e tinha total liberdade de criação. Vale destacar também outra adaptação de clássico infantil apresentada nos anos 70: O Príncipe e o Mendigo (Record, 1972), escrita por Marcos Rey a partir do famoso livro de Mark Twain, com os então adolescentes Kadu Moliterno e Nádia Lippi nos papéis centrais.

A Globo também embarcou nessa de atrações que chamassem a atenção da garotada. A novela O Primeiro Amor, de 1972, já lançava moda entre as crianças na abertura, com várias bicicletas Caloi se cruzando, num dos primeiros casos de merchandising em novelas. Os personagens Shazan e Xerife (Paulo José e Flávio Migliaccio) fizeram tanto sucesso que ganharam um seriado próprio: Shazan, Xerife e Cia. Outras novelas da época também tinham nas crianças o público alvo: Meu Pedacinho de Chão, A Patota e Bicho do Mato,  precursoras do horário das 18 horas para novelas na Globo. 

Nos anos 70, a Globo já vinha de uma parceria com a TV Educativa na produção do infantil Vila Sésamo. Em 1975, as duas emissoras lançaram uma versão de Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado, e, no ano seguinte, iniciaram a produção do Sítio do Picapau Amarelo, que se tornou a mais famosa das adaptações da obra de Monteiro Lobato - durou de 1977 a 1986 e marcou a infância de muita gente. A primeira Narizinho era a então menina Rosana Garcia, que já atuavam em novelas na Globo desde o início da década de 70. 

Nos anos 80, enquanto o Sítio era sucesso e a Globo produzia musicais para a criançada (Pirlimpimpim, Plunct-Plact-Zum e outros), algumas novelas se destacaram, como as já citadas Amor com Amor se Paga e A Gata Comeu. A Bandeirantes lançou em 1983 a novela infantil Braço de Ferro, que tinha em seu elenco infantil o então garotinho Selton Mello. Em 1989, a Globo levou ao ar Top Model, escrita por Antônio Calmon e Wálter Negrão, que virou febre entre a garotada, por conta de seu elenco pré-adolescente. Calmon voltaria a usar um elenco infantil e pré-adolescente, para conquistar crianças, em Vamp, em 1991, um sucesso na época. Uma nova história vampiresca do autor voltaria em 2002: O Beijo do Vampiro, de onde se destacou o então garoto Kayky Brito.

O SBT apresentou várias novelas infantis importadas, mas nenhuma causou tanto furor quanto a mexicana Carrossel, em 1991. A Professora Helena (Gabriela Rivero) e seus alunos marcaram a TV brasileira e as crianças da época. Entre 1997 e 2001, o SBT levou ao ar a novela infantil Chiquititas, criada por Cris Morena, em uma co-produção com a emissora argentina Telefé. Uma febre entre as crianças em seus primeiros anos, a novelinha foi gravada na Argentina e terminou em sua quarta fase no Brasil. Em seu elenco infantil, estavam Fernanda Souza, Débora Falabella, Carla Diaz, Bruno Gagliasso, Jonatas Faro, Stephany Brito, entre outras crianças. Em 2005 e 2006, a Band levou ao ar outra adaptação da argentina Cris Morena com apelo infantil: Floribella.


O novelista Wálter Negrão geralmente apresenta tramas com crianças em suas novelas. Em 1998, o clássico A Noviça Rebelde foi uma das inspirações para Era Uma Vez: um viúvo se apaixonava pela governanta que cuidava de sua prole. No elenco infantil, Luiza Curvo, Alexandre Lemos, Alessandra Aguiar e Pedro Agum. Entre 2001 e 2007, a Globo reeditou o Sítio do Picapau Amarelo, com destaque para a primeira Emília interpretada por uma criança: Isabelle Drumond.

Alguns atores que cresceram na TV diante de nossos olhos: as irmãs Rosana e Isabela Garcia, Glória Pires, Fábio Mássimo, Haroldo Botta, Douglas Mazzola, Narjara Turetta, Monique Cury, Isabela Bicalho, Oberdan Júnior, Matheus Carrieri, os irmãos Danton e Selton Mello, Jonas Torres, Caio Junqueira, Jonathan Nogueira, João Rebello, Natália Lage, Déborah Secco, Fernanda Rodrigues, Tatianne Fontinhas Goulart, Eduardo Caldas, Patrick de Oliveira, Caio Blat, Wagner Santisteban, Cecília Dassi, Fernanda Souza, os irmãos Stephany e Kayky Brito, Isabelle Drumond, Bruna Marquezine, Carolina Oliveira, Marina Ruy Barbosa, e outros. 

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A novela das fêmeas alfa e chorosas


A Globo tem em boa conta as donas de casa telespectadoras das 18 horas, público alvo da faixa. A Vida da Gente é uma novela feita especialmente para elas: é, acima de tudo, uma obra feminina. "Novela de mulherzinha" como tuitei outro dia, brincando.

Os dramas da novela são femininos, pertinentes a esse universo. As mulheres dominam toda a trama e não por acaso, a protagonista Ana (Fernanda Vasconcellos) sofre e chora muito no intuito de sensibilizar os telespectadores, fisgar pela emoção. A identificação do público com os dramas dos personagens tem que ser direta - reza a cartilha de toda novela.

Jayme Monjardim, o diretor, navega à vontade neste universo melodramático. As minisséries Maysa, Chiquinha Gonzaga, A Casa das Sete Mulheres, as novelas A Idade da LobaPáginas da Vida e Viver a Vida são alguns trabalhos do diretor onde a figura feminina impera.

Autores como Manoel Carlos e Gilberto Braga sempre assumiram sua predileção por protagonistas mulheres em detrimento à figura masculina. Suas tramas são comumente tachadas de "novelas femininas". Diferente de novelistas como Lauro César Muniz, Marcílio Moraes ou Benedito Ruy Barbosa, onde há um apelo masculino dominante. 

Em A Vida da Gente, Lícia Manzo escreve para mulheres dramas típicos do universo feminino. Os personagens masculinos ficam em segundo plano e são pobres, fracos ou inferiores se comparados às mulheres da novela. Ou, na melhor das hipóteses, não passam de homens vistos através do olhar feminino. Os da autora, claro! 

Os homens que apareceram até agora só serviram de escada para o drama central, a história de Ana, a heroína, e sua relação com a mãe megera Eva (Ana Beatriz Nogueira) e a irmã Manuela (Marjorie Estiano), outra mocinha chorosa. Como Rodrigo (Rafael Cardoso) - rapaz inseguro, um fraco se comparado à força das três mulheres - mas que é nada menos que o "mocinho" da trama. 

Outros personagens masculinos também ficam devendo. Jonas (Paulo Betti) é um cinquentão que trocou Eva por uma mulher bem mais jovem e bonita e é ridicularizado pela filha debochada (Maria Eduarda). Ou seja, é um homem patético. O personagem de Stênio Garcia - Seu Laudelino - é uma representação masculina curiosa dentro da novela: um homem de certa idade que insiste em casar com a namorada, uma senhora que só quer, só pensa em namorar. E ainda tem um defeito grave: é sovina!

Há ainda o personagem de Ângelo Antônio que só faz reforçar essa ideia: Marcos é o marido dominado pela mulher durona e provedora da casa. Enquanto ela trabalha, ele cuida das filhas e dos afazeres domésticos, e ainda é vítima dos olhares, comentários e assédio de outras mulheres. Laudelino e Marcos representam uma inversão de papeis dentro de um mundo masculino e opressor aos olhos das mulheres. Em A Vida da Gente, as mulheres dominam e mandam em seus homens. Seriam elas "fêmeas alfa"?!

Tudo isto, recheado a um melodrama pesado. Mas que cativa, seja pela força da história, pela beleza das imagens bem acabadas, ou pela boa interpretação do elenco. A embalagem é bonita, moderna e agradável de se ver. Mas o conteúdo remete às radionovelas dos anos 50: melodramas despudorados feitos para o consumo feminino. Mas num contexto bem contemporâneo.